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Biografia

          Todas as informações contidas nesta seção foram obtidas através de fontes fidedignas, como Paulo Márcio Vaz e Cely Vaz, filho e viúva de Antonio Vaz; Valéria Peixoto, Vilson Gavaldão, Maestro Roberto Duarte, Carlos Gomes, Leonídia Antunes e Ana Luisa Figueira Gouvêa. A publicação das obras e a biografia foram devidamente autorizadas pela família do compositor.

           Antonio dos Santos Vaz nasceu em 25 de agosto de 1935, em Santa Teresa, num hospital na antiga Ladeira do Senado, número 21 (atualmente Ladeira Frei Orlando). Filho de José dos Santos Vaz (s.d) e Olívia Fonseca Vaz (s.d), irmão de Paulo dos Santos Vaz (s.d), morou na rua Itapiru, no bairro Catumbi, no Rio de Janeiro, até os 11 anos de idade. Em 1946 mudou-se para Niterói, onde iniciou seus estudos musicais. Na Igreja, especificamente na Cruzada Eucarística, fez várias amizades. Uma de suas amigas, Cely Sodré (1937), de nove anos, fez muito sentido em sua vida.
           

           Aos 12 anos tocava piano e órgão, mas nessa época já havia um interesse peculiar pela Música Coral. Aos 17 anos tornou-se regente da Scholla Cantorum São Luiz Gonzaga, que era o coro da Paróquia São Sebastião, localizada no bairro Barreto, em Niterói/RJ, e do Coro da Catedral de Niterói. Antonio era muito ativo na Igreja e tinha facilidade em compor músicas com textos sacros; suas obras eram executadas apenas nas atividades da paróquia e agradava a todos que ouviam. Por ser um regente exigente, era necessário que os interessados em participar do coro passassem por testes de habilidades vocais, e boa parte dos cantores tinha conhecimento musical; os mais experientes sempre ajudavam aos que demonstravam certas dificuldades, dando prosseguimento ao trabalho. Muitos corais gostavam de cantar suas peças, porque cada naipe tinha o momento de interpretar a melodia principal, e isso era um dos diferenciais nas composições.

            O desejo de Vaz era ser músico, mas seus pais foram totalmente contra, alegando que a música não lhe traria retorno financeiro. Então, foi obrigado a estudar medicina. Graduou-se pela UFF em 1960, e especializou-se em alergia e imunologia, atuando nos municípios de Niterói e São Gonçalo por mais de 40 anos. Inclusive, recebeu o título de cidadão gonçalense por todos os serviços prestados naquela época.

            Antonio e Cely tinham um desejo em comum: servir à Igreja como padre e freira, respectivamente. Por serem muito novos, seus pais não permitiram; apesar de muito religiosos, aspiravam que seus filhos seguissem outro caminho profissional. Eram muito envolvidos em todas as atividades da juventude da Igreja, e a música sempre estava junto; porém não imaginavam que a partir dessa parceria nasceria uma história de amor. Em 1957, Vaz foi presidente da Congregação Mariana[1] e precisava de recursos financeiros para a comemoração dos 25 anos da associação. Surgiu a ideia de criar um concurso chamado Rainha do Esporte Mariano, do qual participaram algumas moças da Pia União das Filhas de Maria[2]. Para ganhar o concurso, elas precisavam vender uma espécie de votos; quem vendesse mais, seria a campeã. A competição começou e todas ficaram animadas, exceto Cely. Mesmo não demonstrando tanto interesse em participar, teve a ajuda de diversos amigos que venderam todos os seus votos e outros além. Para a surpresa das participantes, Cely foi a campeã e coroada a “Rainha do Esporte Mariano”, e no dia da premiação, Antonio foi seu par; após o evento, um sentimento além da amizade começou a despertar entre os dois. Namoraram por cinco anos e casaram-se no dia 27 de maio de 1962, na mesma paróquia onde cresceram. Uma composição especial de Antonio Vaz foi executada nesse dia, Ave Maria, composta em 1960, cujo manuscrito original foi escrito pela dona Cely Vaz, e restaurada em 2022 por Carlos Barcelos. Dessa união, nasceram seus filhos Maria Célia (1963), Antonio Carlos (1967) e Paulo Marcio (1971).

            Antonio Vaz apreciava todos os tipos de arte, inclusive a arte de desenhar, reproduzindo quadros. Após 20 anos atuando como médico, sentiu o desejo de retomar suas atividades musicais. Foi então que, no início da década de 80, ingressou no Coro da UFF, na época dirigido pelo maestro Roberto Ricardo Duarte (1941), onde adquiriu conhecimentos de prática e interpretação coral. Tornaram-se amigos e, após um tempo, tomou coragem para mostrar algumas de suas composições para o maestro. Antonio não criou expectativas de que suas obras poderiam agradar alguém com muita experiência; no ensaio seguinte, a obra O Salutaris (partitura não encontrada), havia sido escolhida para ser ensaiada com o coro, e apresentada num dos concertos, o que lhe deixou bastante surpreso. Musicalmente, Roberto Duarte foi uma das pessoas mais importantes para Antonio Vaz.

            Com todo o seu talento, Antonio Vaz foi direcionado a estudar com o compositor Odemar Brígido (1941-2013), que era especializado em música contemporânea e outro grande incentivador na vida musical de Vaz. Por esse motivo, mesmo sem experiência, foi encorajado a inscrever-se no Concurso Nacional de Arranjos Corais de Música Folclórica Brasileira, promovido pela FUNARTE, em 1982. A obra Saia de babado conquistou o segundo lugar; as obras Escondumba-a-rê e Que casa é essa? receberam menção honrosa. As três obras também foram editadas e publicadas pela FUNARTE, em 1988.

            Vaz sempre foi uma pessoa interessada, e ouvia atentamente os conselhos de Duarte. Por cantar em coro, tinha uma escrita fluente e entendia a linguagem vocal. A partir de então, despontou em suas composições e o maestro Roberto as fez conhecida em diversos países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Itália, Vaticano, França, Suíça, Alemanha, Grécia, Venezuela e Estados Unidos, com gravações em rádios de Berna, na Suíça, e do Vaticano.

            Antonio Vaz teve a oportunidade de se aperfeiçoar com o compositor César Guerra-Peixe (1914-1993), e essa história é um tanto quanto curiosa. Guerra-Peixe fundou a Escola de Música Popular do MIS/RJ, em 1968. Em meados da década de 80, foi anunciado um concurso para a escola, onde foram oferecidas dez vagas para estudar composição. No total, foram 40 participantes e o resultado saiu no mesmo dia. A simplicidade de Vaz não permitia que ele fosse tão otimista, mas a vida sempre lhe reservava coisas boas. Ao receber o resultado como o único candidato aprovado, foi informado que o curso não seria ministrado somente para um aluno; não concordando com essa questão, indagou o organizador do concurso onde estava escrito esse quesito no regulamento até tudo ser resolvido. Conseguiu a vaga e teve aulas particulares com o compositor Guerra-Peixe, durante 1 ano, com quem desenvolveu muitas habilidades musicais e deu novas características sonoras às suas obras. Também teve a chance de estudar regência coral com músicos renomados como Hélio Sena (1935) e Ernani Aguiar (1950).

            Em 1985, conheceu Vilson Gavaldão de Oliveira (1954) nos ensaios do Coro de Câmara de Niterói, que na ocasião havia sido convidado para participar da turnê que o coro fez pela Europa. Tinham em comum a paixão pela medicina e pela música, o que rendeu muitos anos de amizade. Em um dos concertos, o coro teve a oportunidade de se apresentar para o Papa João Paulo II, no Vaticano, executando a obra Pater Noster. Vilson foi um grande motivador para Antonio Vaz; sempre solicitava composições para alguns concursos e com a mesma obra citada acima, ganhou diversos prêmios e foi um dos regentes que mais executou as obras de Vaz.

            Nem sempre tudo caminhava bem para Antonio Vaz na esfera musical. Interessado em graduar-se em música, solicitou o reingresso para a graduação na Escola de Música da UFRJ. Entregou toda a documentação necessária, preencheu todos os formulários e aguardou a análise. No dia de tomar conhecimento do resultado, recebeu uma resposta inusitada, jamais esperada: “Médico não tem que se meter com música”. Com certeza, foi um dos momentos mais frustrantes de sua vida. Outra ocasião foi a participação em um dos concursos de música da Aliança Francesa, de Botafogo/RJ. Não se sabe o ano, mas a convite de seu amigo pessoal, o cantor Carlos Gomes (1941), compôs a canção Bonjour mon coeur, com texto de Orlando di Lasso (1532-1594). Era notório que ambos possuíam um nível musical elevado em relação aos outros participantes do concurso, e por isso o primeiro lugar em todas as eliminatórias; além de receberem vaias em todas elas. Na etapa final, a canção ficou em terceiro lugar, pelo fato de o júri ter escolhido uma candidata que apresentou uma canção com ritmos brasileiros.

Ouça Bonjour mon coeur, clicando no player acima.

             Amante da música coral, nunca teve a ambição de ganhar dinheiro com música, mas preocupava-se com a educação musical de todos. Tratava seus pacientes com dificuldades respiratórias com atividades corais, e para tanto, criou o Coral do SACRE. Por um curto período de tempo, liderou a Sociedade Brasileira de Médicos Músicos. Em 1987, criou o Coral Pró-Música de Niterói; as atividades eram realizadas em sua residência, no bairro Icaraí, e era formado por cantores amadores que aprendiam música com ele durante os ensaios. O coro participou de diversos concursos corais no Rio de Janeiro e Niterói, concertos de Natal e programações em condomínios, cantando obras sacras e populares. Nunca cobrava pelos serviços musicais e tudo era feito por amor à música.

            Foi um compositor importante no cenário musical carioca, tendo sido convidado por Valéria Peixoto (1952), uma amiga que na época era vice-diretora do Instituto Nacional de Música da FUNARTE (atual Centro da Música da FUNARTE), para compor a 2ª Ladainha, como obra de confronto para o I Concurso Nacional FUNARTE de Canto Coral, realizado em 1997. Em setembro de 2002, foi convidado a participar de um concerto especial para três compositores brasileiros na Sala São Paulo, com o Coral Sinfônico do Estado de São Paulo que executou a obra Suíte Mystica (três cantos suplicantes), sob a regência do maestro Samuel Kerr (1935).

            Como médico plantonista, tinha conhecimento de todos os problemas de um hospital público; por este motivo, adquiriu traumas de hospital. Ficou bastante depressivo quando percebeu que sua vida financeira não estava indo bem e, com medo de descobrir alguma doença não fazia exames periódicos. Entre os anos de 2003 e 2004, começou a apresentar indícios de debilidades mentais. Quando já estava muito mal, decidiu realizar alguns exames. Leonídia Vieira Antunes (1959) e Ana Luisa Figueira Gouvêa (1965), amigas ligadas à música e à medicina, foram até a residência de Vaz para realizarem a coleta de sangue. O resultado da taxa de hematócritos[3] estava em 8%, algo que é muito grave. Em seguida, foi internado no Hospital Santa Cruz (atualmente fechado), em Niterói; outros exames foram feitos e foi constatado que o impedimento da absorção de vitamina B12 no organismo estava sendo causado por uma gastrite; a ausência dessa vitamina agravou os problemas mentais, além de descobrir que era diabético e hipertenso. Após idas e vindas do hospital, Antonio Vaz teve um acidente vascular cerebral em sua casa. Mais uma vez voltou para o hospital e ficou em coma; fazendo hemodiálise, faleceu em 25 de julho de 2005, aos 69 anos deixando esposa, filhos e netos. Suas composições são um legado valioso no cenário musical brasileiro. Foi muito aplaudido em várias salas de concerto, por diversas execuções de suas obras, e algumas estão registradas em LPs e CDs de vários corais espalhados pelo Brasil.

 

[1] É uma associação pública de leigos católicos, que seguem o Cristianismo através de uma vida consagrada à Virgem Maria.

[2] Associação de caráter devocional leigo, formada apenas por mulheres. O uniforme característico é um vestido e véu brancos, e uma fita azul com a medalha de Nossa Senhora das Graças.

[3] Hematócrito é uma medida da proporção de hemácias no sangue. O valor é expresso como uma porcentagem ou uma fração de hemácias no sangue. Para homens, a taxa normal é a partir de 40%.

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